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2023-07-21

Como será a indústria do futuro?


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Futuro. “Adjetivo. Que há-de ser, há-de acontecer ou há-de vir. Que se prevê que venha a ter determinado estado ou qualidade num momento próximo”. São várias as definições no dicionário para a palavra futuro. Todos nos remetem para o destino, para o infinito ou mesmo para um Admirável Mundo Novo. Na atividade empresarial, projetar o futuro, antecipando cenários será, sempre, um exercício adequado para encontrar novas fórmulas para a competitividade.

Desafiámos três especialistas para apalpar o pulso ao setor têxtil e vestuário em Portugal, analisarem o passado recente e projetarem cenários futuristas. Esta é a sua visão.

Rui Lopes Miguel

University of Beira Interior

Rui Lopes Miguel considera que “a indústria têxtil e do vestuário em Portugal tem subido na cadeia de valor da fileira da moda internacional. As empresas têm vindo a ganhar competências internas na versatilidade e eficiência tecnológica e produtiva”.

O Professor Associado do Departamento de Ciência e Tecnologia Têxteis da Universidade da Beira Interior reconhece que, no cenário atual, a situação “geopolítica, a digitalização, a sustentabilidade e a circularidade estão a condicionar a atividade industrial”. No plano empresarial, importa atender a evolução ao nível das “energias verdes, eco-materiais e processos produtivos com menos consumo de recursos são consequência do elevado custo da energia fóssil e de opções estratégicas sustentáveis, como o design para a circularidade e a eco-engenharia”.

Rui Lopes Miguel admite que “há sinais de uma versão regionalizada da globalização, face a novas políticas comerciais de grandes potências e como defesa das incertezas geopolíticas”. A esse propósito, “a nova legislação da UE sobre sustentabilidade e certificação de produtos têxteis e vestuário poderá alavancar a ITV europeia. A reciclagem em grande escala de vestuário visando a circularidade será uma oportunidade”.

De acordo com o Professor Associado do Departamento de Ciência e Tecnologia Têxteis da Universidade da Beira Interior “Portugal tem um cluster têxtil e vestuário com fatores diferenciadores e competitivos únicos: concentração regional de empresas com grande diversidade de produtos”. Ainda assim, “para acrescentar valor, o terceiro fator competitivo passará pelo aumento do conhecimento nas empresas nas áreas da gestão, tecnológica, design, inovação & criatividade, marketing e parcerias internacionais”. Importa, por fim, dar primazia “à sustentabilidade e circularidade, para atuarem nos mercados da moda e dos têxteis funcionais e técnicos”.

Joana Cunha

Universidade do Minho

Diagnostico idêntico é feito por Joana Cunha, Professora Auxiliar da Escola de Engenharia na Universidade do Minho. “A meu ver, a indústria têxtil e vestuário portuguesa tem evoluído de forma muito positiva nos últimos 15 anos, não só ao nível da qualidade, inovação, design e desenvolvimento tecnológico, como ao nível do volume global de negócios e de exportações”.

Em termos práticos, “desde 2010 que se tem vindo a verificar uma sustentada recuperação da atividade industrial. Temos hoje empresas mais qualificadas, que apostam mais na inovação e no desenvolvimento de produto com maior valor acrescentado, estando por isso em melhores condições de fazer frente aos desafios”.

Depois de dois anos de pandemia e em plena Guerra na Ucrânia, os cenários são, agora, de alguma incerteza. Joana Cunha admite que as maiores alterações do ponto de vista industrial são “ao nível da procura por alternativas energéticas renováveis que permitam diminuir os elevados custos energéticos, do desenvolvimento de processos para a rastreabilidade do produto e transparência para o cliente e da adoção plena dos princípios da sustentabilidade e em particular da circularidade”. Para a responsável da Universidade do Minho, “haverá alterações ao nível dos materiais utilizados, dos processos produtivos, das tecnologias e de organização, para além da necessidade de desenvolver novas competências nos profissionais da indústria”. Adicionalmente, “será necessário encontrar novos modelos de gestão para tornar as organizações mais flexíveis, mais sustentáveis não só do ponto de vista ambiental, mas igualmente económico e social”.

Joana Cunha defende que “neste novo paradigma da sustentabilidade e da circularidade associado às diretrizes europeias para o setor, o caminho se fará tirando partido do conhecimento existente na indústria e na academia, bem como da investigação aplicada que vem sendo desenvolvida nas universidades e nos centros tecnológicos da especialidade”. Já no que se refere ao desenvolvimento de novas competências nos profissionais da indústria, iremos assistir ao desenvolvimento de novos modelos de ensino e formação mais baseados nas ferramentas digitais e simultaneamente mais direcionados para a formação ao longo da vida numa lógica de atualização de conhecimentos.

De acordo com Joana Cunha, “Portugal é dos poucos países europeus que ainda possui a cadeia completa têxtil, desde a fiação ao produto acabado, e por isso reúne todas as condições para trabalhar numa economia circular e posicionar-se como um parceiro de referência na Europa”. A Professora da universidade do Mundo destaca o “forte know-how assente numa rede empresas e centros de conhecimento que têm tudo para conseguirem trabalhar juntos”.

Albertina Reis

Riopele

A indústria portuguesa tem evoluído de forma positiva na última década e foi conquistando novas geografias. Albertina Reis considera que “a evolução é significativa quer em termos tecnológicos quer em termos de conhecimento, sendo percetível desde a conceção até à execução”. Para a Diretora da unidade de I&D da Riopele “houve capacidade de reinvenção”, complementada pelo “investimento em soluções inovadoras, diversificação de linhas de produtos com foco na qualidade e aumento da ligação entre empresas, centros tecnológicos e Universidades, aumentando assim as competências dos recursos humanos”.

A capacidade de desenvolvimento “é a linha motora para que as empresas se possam manter fortes no mercado”, em especial numa sociedade “que acelerou em virtude da proliferação dos suportes digitais”. Por esse motivo, do ponto de vista produtivo, a indústria portuguesa terá de acelerar “o seu processo de evolução para a diversificação, a inovação com ponto alto na qualidade com o sempre desejado valor acrescentado”. Acresce a importância de “trabalhar de forma focada para a excelência em toda as linhas de produção quer na eficácia e eficiência dos processos”.

A inteligência artificial pode ser uma solução “de grande suporte para assegurara excelência produtiva, mas igualmente numa lógica de redução de custos”. Adicionalmente, em curso está “uma grande revolução na área da sustentabilidade”, que passa desde a adoção do processo legislativo até à capacidade de “converter excedentes têxteis nas suas mais diversas origens em novas matérias-primas”. Importa, igualmente, “reduzir o consumo de matérias-primas virgens e utilizar novas fibras a partir dos resíduos, obtendo propriedades como a biodegradabilidade ou fibras com novas propriedades”. No âmbito deste Admirável Mundo Novo, será premente “repensar a forma como desenvolvemos tecidos ou como criamos o design”. “Iremos ter no futuro seguramente novas fibras inteligentes que nos permitirão ajudar na sobrevivência do ser humano e encontrar um melhor equilíbrio com o meio ambiente”.

Para Albertina Reis, o ADN da indústria têxtil, que permitiu que o setor crescesse e se projetasse internacionalmente, será determinante para o futuro. “Pelo nosso conhecimento, pela nossa resiliência e porque temos sido capazes, competentes e inovadores”.