+

2023-01-06

“Queremos que o nosso legado se mantenha por mais 100 anos”


voltar a notícias

Isabel Domingues coordena o departamento de sustentabilidade da Riopele, uma empresa a que está umbilicalmente ligada, uma vez que o seu avô e pai também pertenceram aos quadros da empresa. Assume que “a próxima década será de aceleradas mudanças”, exigindo “muito mais das empresas” em domínios como as alterações climáticas e as desigualdades sociais. Quanto à a Riopele, que completará em breve 100 anos, quer manter “o legado” e, por isso, estabeleceu várias metas até ao cententário, uma das quais, particularmente ambiciosa: ser operacionalmente neutra até 2027.

Ainda se recorda do primeiro dia na Riopele? Como foi esse dia?

Claro que sim. Já lá vão quase 26 anos, foi no dia 3 de março de 1997. Estava com algum nervoso miudinho, mas ao mesmo tempo muito feliz por conhecer a grande empresa, da qual ouvia falar praticamente desde que nasci. Esperava corresponder com as expectativas, mas acima de tudo, queria muito que o meu Pai e Avô, outrora também trabalhadores da Riopele, sentissem orgulho do meu trabalho.

Que departamento integrou?

Na altura, a Riopele estava em processo de certificação da qualidade das várias áreas produtivas, e eu integrei o Departamento da Qualidade. Contudo, em menos de um mês, fui trabalhar para o Departamento de Manutenção na área de Metrologia, uma vez que trazia alguns conhecimentos da minha formação académica, e os sistemas de medição eram uma componente importante na certificação. Há mais de 25 anos, não era comum uma mulher na Manutenção, e eu fui a primeira a integrar esta área dentro da Riopele. Considero que foi uma experiência muito enriquecedora.

Qual foi a sua principal motivação para assumir a liderança do departamento de Sustentabilidade da Riopele?

Ao longo destes anos, tive o privilégio de assumir várias funções de liderança dentro da Riopele, o que me permitiu crescer enquanto pessoa, e melhor conhecer o processo têxtil, as suas valências e as dificuldades. Quando há 4 anos a Administração me convidou para integrar o Departamento da Sustentabilidade, foi numa altura em que sentia estar a precisar de um novo desafio, num momento em que o tema da Sustentabilidade começava a ter algum destaque. A minha principal motivação foi incorporar a visão holística da Sustentabilidade na empresa, e fazer com que a Riopele se destacasse, não só pelos produtos inovadores e de qualidade, mas também por todo o seu trabalho em preservar o meio ambiente, o respeito pelas pessoas e comunidade.


Quais são as principais metas e objetivos do “Roteiro de Sustentabilidade 2027” da Riopele?

Em 2027 a Riopele completará 100 anos. Queremos que o nosso legado se mantenha por mais 100 anos, e estamos conscientes que a próxima década será acelerada, e exigirá muito mais de nós e das empresas, principalmente por causa das alterações climáticas, e das desigualdades sociais. Assim, e alinhados com a agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações, e com a estratégia dos têxteis definida no âmbito do European Green Deal, a Riopele estabeleceu algumas metas até 2027. Em termos de produto, o nosso objetivo é que 80% dos nossos artigos comercializados tenham uma componente de sustentabilidade, e adotemos uma ferramenta para a medição do LCA. Estamos à procura das melhores soluções para potenciar a circularidade dos nossos resíduos têxteis. No que diz respeito às Pessoas, continuaremos a apostar no seu desenvolvimento e na formação, e trabalharemos as temáticas de saúde e bem-estar e o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.

E no âmbito da descarbonização?

Em termos de emissões de CO2, a Riopele calculou a sua Pegada de Carbono referente a 2021, de acordo o GHG Protocol, nos scope 1, 2 e 3, sendo que estes representam 9%, 16% e 75% do total de emissões respetivamente. A Riopele prevê reduzir até 2027 as suas emissões do scope 1 e 2 até zero, sendo operacionalmente neutra em carbono, e trabalhar com a sua cadeia de fornecimento para reduzir 20% do scope 3.

Na sua opinião, quais são as certificações de sustentabilidade mais importantes quando se fala da indústria têxtil?

É uma boa questão. Na indústria têxtil existem muitos referenciais, uns que se aplicam ao produto, outros à empresa, e apesar de serem processos voluntários, quem acaba por determinar as certificações da empresa são as marcas e clientes, quando os adotam como requisitos obrigatórios. Considero que este é um ponto em que o setor deveria procurar adotar uma linguagem comum. Uma empresa não é mais ou menos sustentável pela quantidade de certificações obtidas, mas sim pela forma responsável e transparente como preconiza a sua atividade.

Na perspetiva da Riopele que certificação destacaria?

Destacaria a certificação STeP by Oeko Tex, que a Riopele obteve em 2019, de forma voluntária, como um standard que mede o nível de desempenho sustentável de uma empresa têxtil, tendo em linha de conta os aspetos ambientais, de segurança e responsabilidade social, dentro de requisitos apertados e atribuindo uma classificação final. Esta permitirá que seja feito um Benchmarking entre empresas, e ao mesmo tempo desafia as organizações para evoluírem no sentido de alcançarem o melhor desempenho.

A Riopele é considerada uma empresa modelo no tema da conservação da água e eficiência energética. Quais foram os investimentos mais significativos que a empresa tem realizado?

A Riopele está consciente do impacto da sua atividade, e em minimizar o consumo dos recursos naturais, como a água. Por esse facto, e muito antes de se falar de sustentabilidade, e dos problemas que se avizinham da escassez da água, a Riopele iniciou o seu processo de recuperação do efluente produtivo há mais de 2 décadas. Atualmente já recuperamos 53% do efluente produtivo, e esperamos aumentar esse valor até 2027. Contudo, há uma preocupação constante em diminuir o consumo de água, e em muito contribui o investimento que a empresa realizou nestes últimos 4 anos, substituindo todo o parque de máquinas da área de tingimento de fio e outras de tingimento em peça por equipamentos com relação de banho inferior. O investimento realizado também na gestão captações de água de forma online, permite reduzir algum desperdício, assim como o aproveitamento das águas pluviais de uma área coberta de cerca de 8000 m2.

E no que diz respeito à redução do consumo de energia?

Em matéria de eficiência energética, a Riopele procurou sempre estar na vanguarda, investindo em equipamentos mais eficientes, quer na área produtiva quer em equipamentos auxiliares, cujo consumo representa cerca de 30% do total. No entanto, alinhado com o roteiro da sustentabilidade, e no que concerne à utilização de energia térmica proveniente de fontes renováveis, a Riopele investiu numa caldeira de Biomassa, que arrancará no primeiro trimestre de 2023, contribuindo para a redução das emissões de CO2 de âmbito 1 em cerca de 5%, num investimento superior a 4 M€. Além disso, está previsto a instalação de mais uma central solar fotovoltaica, numa das nossas unidades de produção, assegurando 21% do seu consumo de EE.

Que medidas a empresa tem implementado para garantir que os direitos humanos e a produção ética são elementos integrantes da estratégia de negócio?

Para a Riopele, as Pessoas são um dos pilares estratégicos da empresa. Internamente pautamo-nos pelos princípios descritos no nosso código de ética e de conduta, divulgado a todos os colaboradores, inclusive aos mais novos, durante o processo de acolhimento. Já, em termos de cadeia de fornecimento, também os fornecedores têm de demonstrar que agem de acordo com os nossos princípios, que por via da aceitação do nosso código ou através de uma certificação no âmbito da responsabilidade social. Por outro lado, temos uma Comissão de Ética e de Conduta, que assegura o tratamento das irregularidades que possam ser comunicadas. Para além de tudo isso, a empresa anualmente e no âmbito do questionário do Clima Organizacional inquire os seus colaboradores abordando questões de ética e de conduta. Não obstante tudo isso, somos, igualmente, alvo de auditoria sociais por parte dos nossos clientes, que demonstram a nossa conformidade com os padrões internacionais e requisitos específicos.

É possível para as empresas conciliar a moda sustentável e a consciência ecológica e ao mesmo tempo manterem-se lucrativas?

Sim. As empresas que incorporem o conceito de Sustentabilidade na sua estratégia visam assegurar o equilíbrio entre os 3 pilares, Pessoas, Planeta e Lucro. Atualmente algumas empresas já o fazem, mas dentro de 2, 3 anos a maioria das empresas serão obrigadas a reportar os seus indicadores ESG (report não financeiro) e se não forem capazes de demonstrar que a Sustentabilidade está incorporada na estratégia, poderão ver comprometidos os seus financiamentos, e até mesmo relações comerciais com clientes.

Como podem os consumidores proteger-se de práticas de greenwashing e garantir que as empresas de moda estão realmente comprometidas com práticas sustentáveis?

Tem de haver mais sensibilização e formação aos consumidores. No entanto as práticas de greenwashing terão de ser combatidas por via da legislação e fiscalização. Na minha opinião, o passaporte digital será uma ferramenta muito interessante para o consumidor fazer as suas opções de forma consciente. Ainda não se sabe como este será colocado nos artigos, mas através deste será possível conhecer a rastreabilidade do produto, desde o local de produção da fibra até à sua confeção, e o seu impacto ambiental.