+

2023-07-06

"Não daremos, enquanto indústria de moda portuguesa, passos importantes se não tivermos um raciocínio colaborativo"


voltar a notícias

Como tem evoluído a moda portuguesa? O que precisa ainda de ser feito para que os designers portugueses alcancem destaque internacional? Que papel está reservado para um player como Portugal no mundo global? Eduarda Abbondanza, fundadora e Presidente da ModaLisboa, responde.

1. A ModaLisboa foi criada há 30 anos, que balanço faz da moda portuguesa neste período?

Assistimos a uma transformação total. A Moda é uma disciplina que bebe de todas as outras, e o mundo mudou transversalmente — seria impossível a Moda não acompanhar e, muitas vezes, prever essa mudança. Em Portugal, em específico, e porque é esse o nosso território primordial, a Moda profissionalizou-se, e ao tornar-se numa profissão também se democratizou. Não é, como há 30 anos, apenas uma experimentação. É um negócio válido, um produto de pensamento que atrai atenção, que tem relevância social e cultural, que fala sobre e para todos. A fluidez de diálogo entre criativos e indústria é cada vez maior, no sentido em que a colaboração começa a ser vista como o único caminho de futuro. Quando antes falávamos em Designers e Fábricas, mencionávamos sempre um fosso intransponível. Agora, quando o discurso da Sustentabilidade, Tecnologia e Inovação é cada vez mais o nosso dia a dia, a co-criação começa a ser algo de concreto, e a linguagem da Moda de Autor e da Indústria Têxtil converge. Podemos, finalmente, unir o nosso rótulo de país produtor responsável a país com um enorme capital criativo. E é esta união que nos dá potencial de crescimento infinito.

2. Qual tem sido o papel da ModaLisboa na afirmação da moda portuguesa no exterior?

Enquanto evento, a ModaLisboa construiu um posicionamento internacional de culto. Continua, 32 anos depois, a atrair publicações internacionais que escrevem sobre Moda enquanto disciplina conceptual e não apenas comercial, o que contribui para que os nossos Designers cheguem a públicos-alvo específicos, apreciadores e compradores de Moda de Autor. Isto constrói, inevitavelmente, uma imagem internacional da Moda portuguesa enquanto indústria de criatividade, aliada, como refiro acima, à sua qualidade e inovação na confeção. A ModaLisboa é ainda membro-fundador da European Fashion Alliance, um projeto europeu de capacitação e impulso da Indústria de Moda junto das estruturas de poder. Isto depois de já ter sido membro de um programa similar, o United Fashion, que uniu diversos Designers e Criativos europeus para apresentações, networking e formações. A estratégia de internacionalização da ModaLisboa sempre foi muito metódica e direcionada, de forma a afirmar a Moda portuguesa no exterior enquanto um negócio coeso, relevante e com elevada qualidade conceptual.

3. Em particular, que avaliação faz da 60.ª edição da ModaLisboa?

Faço uma avaliação muito positiva. O objetivo-maior desta edição era gerar um discurso produtivo sobre a Moda de Autor, e foi esse o desafio que lançámos aos nossos Designers. Em todos os momentos de comunicação, seja na campanha, nas Fast Talks ou nas entrevistas à comunicação social, esse foi o assunto primordial. Todos eles refletiram sobre a sua prática, partilharam as suas dificuldades e estratégias de futuro, e isso deu-nos fôlego de continuidade. Pensámos em conjunto, executámos em conjunto, e temos agora muitas pistas de como continuar a construir um futuro em conjunto.

4. No seu entendimento o que falta à moda portuguesa para que tenha maior notoriedade no plano internacional?

A internacionalização de um Designer de Moda é um processo longo e que requer não só uma estratégia extremamente bem definida, como um elevado investimento. Há várias etapas do processo que foram facilitadas com o digital e as redes sociais, mas isto também significa que todos os Designers do mundo se tornaram visíveis, ou seja, há mais competição. A Moda de Autor é composta por microempresas, com estruturas extremamente pequenas, e uma estratégia de posicionamento internacional teria de implicar um investimento financeiro para reforço dessas estruturas, quer em termos de recursos humanos, quer em termos de agilidade produtora.

5. A ModaLisboa através do espaço Sangue Novo tem procurado lançar um conjunto de novos criadores. Que futuro lhe está reservado?

O Sangue Novo é das plataformas mais importantes da ModaLisboa. Encaramos como essencial, e parte da nossa missão, capacitar novos talentos. Porque a parte mais relevante do projeto não é a descoberta: é a mentoria, o acompanhamento e a divulgação do potencial criativo nacional. O nosso maior investimento é a criação de parcerias — sejam elas têxteis, como a que mantemos como a Riopele — sejam elas de patrocínio, de prémios e de protocolos com instituições de ensino de qualidade, para que estes jovens Designers possam estar preparados para o mercado trabalho, e para implementar mudança. Assim, abriremos novas candidaturas em maio deste ano, e em outubro estaremos a conhecer mais dez criadores que podem fazer a diferença.

6. De que maneira acredita ser possível reforçar a ligação entre o setor industrial e a moda de autor?

Como já referi, acredito que essa ligação está cada vez mais forte, até porque é de proveito mútuo. Os Designers precisam da agilidade produtora, das ferramentas tecnológicas e da qualidade de confeção do setor industrial. Ao mesmo tempo que o setor industrial precisa de criatividade, de conceito, de pensamento de Design e de posicionamento conceptual. E ambos estão focados no compromisso com a produção responsável e mais sustentável. Não daremos, enquanto Indústria de Moda portuguesa, passos importantes se não tivermos um raciocínio colaborativo. É essencial criar mais oportunidades de diálogo, desenvolver programas de co-criação e rentabilizar os programas de impulso e capacitação já existentes, e muitas vezes alocados à indústria, para desenvolver trabalho relevante em conjunto com os Designers.

7. Que papel está reservado à indústria têxtil e de vestuário na cena competitiva internacional?

O reforço de posicionamento enquanto uma indústria de confeção responsável, ética, justa e humana, aliado a uma cada vez mais próspera investigação e inovação tecnológica. A indústria têxtil e de vestuário tem todas as ferramentas para ser líder internacional e um exemplo do futuro da produção, materializando o ideal de que a Moda não só tem de mitigar as ações prejudiciais ao planeta e às pessoas, como trabalhar ativamente para criar verdadeiro impacto positivo.