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Giovanni Bonotto possui uma vasta experiência profissional nos setores da indústria têxtil e da moda. Quais são as principais mudanças que tem constatado nestes setores de actividade?
Nos últimos dez anos, a indústria da moda sofreu uma profunda transformação que resultou da vitória da comunicação, ou seja, o produto, o vestuário, não é apenas feito de tecido, mas é cada vez mais o resultado da comunicação. O produto foi transformado em comunicação. Já não é feito apenas de tecidos, acessórios e botões, mas da própria comunicação. Isto tornou a comunicação da marca muito mais importante. E depois, os têxteis vêm quase em quarto ou quinto lugar, porque o valor é atribuído pelo posicionamento da marca. O maior investimento em moda é agora a construção da marca...
Considera que empresas como a Riopele estão a perder algum espaço no mercado porque as marcas são mais relevantes do que o produto?
O problema é que a moda hoje em dia é comunicação. Nos últimos dez anos, assistiu-se à expansão do Instagram, Facebook, TikTok, etc., onde a moda se tornou comunicação digital.
Portugal e Itália possuem o know-how e a experiência e têm feito muitos investimentos muito recentemente. Então, na sua opinião, que papel desempenharão estes países na indústria da moda a nível mundial?
É uma pergunta difícil porque a política económica mundial está agora a passar por uma fase de rápida mudança. Eu teria respondido a esta pergunta de outra maneira, se ma tivesse feito há um ou dois anos, antes da guerra. Agora que a China está a isolar-se cada vez mais, todas as indústrias transformadoras europeias estão a ser obrigadas a abandonar a China e a regressar à Europa. A isto chama-se reshoring. O reshoring, que se traduz no regresso da produção industrial à Europa, mostrou que toda a cadeia da indústria têxtil europeia foi destruída - todos os materiais são chineses, as matérias-primas já não são fabricadas na Europa, são exclusivamente fabricadas na China. O fio já não é fabricado na Europa, é fabricado na China. Já não existem produtos na Europa, todos eles são produzidos na China. Quando a produção regressou à Europa, ninguém tinha matéria-prima e foi por isso que o seu preço aumentou tanto. A Riopele continuou a ser a única indústria de ciclo completo na Europa; a única indústria de base de algodão, porque existe a indústria do algodão, a indústria têxtil, a indústria da lã e depois existe a indústria das fibras sintéticas, que diz respeito aos filamentos de poliéster. Na Europa, a Riopele é a única fábrica que resta com uma estrutura tradicional.
Então, não há concorrência?
Não há concorrência. A Riopele não tem concorrência, porque tem a fibra, o grampo de poliéster, o grampo de viscose, que é processado na preparação da fibra, fiação, tingimento do fio e acabamentos - não há nada disto em Itália, por exemplo. A Riopele não tem rivais em Itália. Este é um trunfo importante; é um trunfo estratégico porque a Riopele é a proprietária, e tem nas suas mãos um processo industrial que em Itália ninguém tem. Isto aconteceu em Itália porque a China começou a fazer todos os tecidos básicos, a um preço 90% mais competitivo. Portanto, tudo na indústria têxtil, nos anos 90, 2000, 2010, foi arrasado. Pelo contrário, hoje, a Riopele tem uma nova vida pela frente, porque continua a ser a única indústria de ciclo completo em toda a Europa, uma indústria de base de algodão.
Em termos de preço, quota de mercado, dimensão, a China é extremamente importante na nossa indústria. Mas, relativamente à criatividade e ao desenvolvimento de novos produtos, acredita que países como Itália e Portugal podem ser relevantes no futuro?
Em Itália, a indústria têxtil é muito importante porque muitas pessoas trabalham neste setor, principalmente pequenas empresas: muitas pessoas trabalham em muitas pequenas empresas. Todo este grande número de pequenas indústrias tem muitas cabeças a pensar, tantas, ao contrário da Riopele, que emprega um grande número de pessoas, mas poucas que se dediquem a pensar. Em Itália, há muitas cabeças que pensam, mas também muitas que trabalham. Este sistema industrial, com tantas cabeças a pensar diariamente, tem promovido em Itália uma grande procura de novos produtos, porque a única vantagem da indústria italiana é a criação de novos produtos. Costumava ser duas vezes por ano, mas hoje é uma coleção por mês, por isso, há sempre esta procura contínua de novos espaços para inovar. Esta é a pequena realidade de Itália. Pouca produção, muita investigação. A razão pela qual a Bonnotto e a Riopele trabalham em conjunto é que a Bonnotto traz todo este know-how de investigação contínua, o que não é um problema de inteligência, não é que os italianos sejam mais espertos do que os portugueses, é sim uma questão de ADN.
Hoje em dia, toda a gente fala de sustentabilidade. Na sua perspetiva, a sustentabilidade pode restringir a criatividade?
A sustentabilidade é o negócio dos nossos dias e continuará a sê-lo no futuro. A verdadeira criatividade nasce de poucos recursos. Com poucos recursos, a criatividade...bum! A criatividade explode com poucos recursos, portanto, a sustentabilidade nunca vai ser um problema. A criatividade encontra sempre novas formas. Um tema de que falo sempre com José Alexandre Oliveira é que a Riopele é líder no mundo da poliviscose. O problema do poliéster está relacionado com a acumulação de microplásticos no mar. Já fizemos um belo trabalho na utilização de poliéster reciclado/padrão, todos os materiais reciclados. O nosso objetivo a curto prazo é que o poliéster se torne biodegradável em cinco anos.
Que tendências pensa que vamos ver nos próximos anos? Os produtos biodegradáveis são um deles, ou acredita que surgirão novos produtos no mercado?
A sustentabilidade não é uma tendência. A sustentabilidade é um processo diário interminável; não é uma moda. A Internet, as redes sociais, o metaverso e a comunicação digital destruíram a ideia de uma única estética, construindo, em vez disso, várias outras diferentes. Portanto, já não é possível falar de tendências. Não faz sentido continuar a falar de tendências porque uma tendência sou eu vestido com uma roupa monocromática, mas é também ele, vestindo um visual bonito, elegante e nostálgico dos anos 80. Nós somos diferentes. Somos ambos contemporâneos. Assim, a comunicação, que recentemente se transformou numa overdose de comunicação, anulou o conceito de "tendência".
É um ponto de vista muito interessante. Mais uma pergunta. Conhece a Riopele há mais de duas décadas. Como tem evoluído a empresa desde o início, quando começou a trabalhar com a Riopele, até hoje?
Quando cheguei à Riopele há vinte anos atrás, a direção era muito do tipo "somos o rei". Digamos que a Riopele se sentia como se dominasse o mercado, "somos fortes", e acreditava que o mercado, os clientes, eram os que precisavam da Riopele, por isso não importava se o cliente queria um prazo de entrega mais rápido ou outro tipo de qualidade de tecido. Quando José Alexandre se tornou Presidente, houve uma mudança notória porque a Riopele começou a ouvir o mercado, a encontrá-lo a meio caminho. Por exemplo, as entregas, que eram o ponto nevrálgico da Riopele, pois costumava produzir apenas grandes quantidades, só a partir de um certo número de metros... Hoje, a Riopele pode produzir pequenas quantidades e entregá-las rapidamente, pelo que evoluiu para produzir pequenas ou grandes quantidades e entregá-las rapidamente. Melhor do que em Itália.
Essa é uma declaração ousada...
Ao contrário do que acontece em Itália, a Riopele ainda tem uma estrutura vertical, portanto, faz uma garantia de qualidade contínua. Em Itália, sou o proprietário e responsável pelo lado comercial do negócio, o design, por isso compro-lhe o fio e a tecelagem, mas os acabamentos compro a outros. E pergunta: "o fio"? Agora, não o tenho, mas quando ele chega, estou a tratar de outra encomenda. É assim. Assim, o tempo de entrega mudou, já não há rapidez, nem sequer a garantia contínua de qualidade. No entanto, José Alexandre conseguiu fazer esta mudança crucial para uma nova era, ele compreende bem o negócio da moda, o que ela quer. Assim, testemunhei a transição de um "monstro industrial" para um animal sensato, que reconhece e sobrevive. Exatamente como José Alexandre fez, fazendo aquela mudança geracional que Darwin explicava: nunca é o animal mais forte que ganha, mas sim o animal mais sensível à mudança. E a Riopele fez isso.